A brasileira nascida na Ucrânia foi escritora, jornalista e enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial

Que não conhece uma só palavra de russo mas que pensa, fala, escreve e age em português, fazendo disso sua profissão e nisso pousando todos os projetos do seu futuro, próximo ou longínquo (…) tudo que fiz tinha como núcleo minha real união com o país e que não possuo, nem elegeria, outra pátria senão o Brasil. Poderei trabalhar, formar-me, fazer os indispensáveis projetos para o futuro, com segurança e estabilidade. A assinatura de V.Exª tornará de direito uma situação de fato. Creia-me, Senhor Presidente, ela alargará minha vida. E um dia saberei provar que não a usei inutilmente.
Com isso, Clarice Lispector já deixava registrado que vivia para escrever, e que a sua língua era o português. Ela deu aulas do idioma e atuou como jornalista antes de começar a publicar romances. O jornalismo foi importante para que, ainda bem nova, se aproximasse de nomes como Antônio Callado, Hélio Pelegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. Apenas dois anos depois de escrever a carta ao presidente, Clarice já estaria começando a cumprir a quase profecia contida na última frase do trecho reproduzido neste artigo: em 1944 foi lançado o primeiro romance da autora, Perto do Coração Selvagem. O livro aborda a solidão e a incomunicabilidade humana, utilizando uma linguagem que se aproxima da poesia.
Pouco antes disso, em 43, Clarice havia se casado com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem ficaria por 15 anos e teria dois filhos, Pedro e Paulo. Logo após se unir, o casal rumou para a Europa, em plena Segunda Guerra Mundial. Na Itália, onde ficaram até 1946, Clarice mostraria um outro lado de sua personalidade, atuando como enfermeira de soldados brasileiros. O segundo romance da escritora, O Lustre, começou a ser desenvolvido ainda no Brasil, e foi concluído nessa época em que ela esteve na Itália.
A cidade sitiada, lançado em 49, foi escrito por Clarice na Suíça, num período em que a autora sentiu muito a falta das irmãs e dos amigos que havia deixado longe para acompanhar as viagens do marido. Até 1952 ela escreveria contos, e nesse ano publicaria a compilação Alguns Contos, posteriormente renomeado para Laços de Família com adições em 1960.
Para escrever as colunas femininas – atividade independente do percurso literário – Clarice utilizava-se de vários pseudônimos. Referência recente a isso foi feita em reportagem publicada no jornal O Globo, dia dois de julho último, a respeito da compilação das colunas de assuntos femininos a ser lançada este mês com o título CORREIO FEMININO. A matéria apresenta uma faceta pouco conhecida mas também muito característica de Clarice: a da mulher vaidosa, e que como jornalista podia dar dicas para outras mulheres também preocupadas com a moda, a beleza e comportamento. Para falar desses temas, Clarice assinou como Tereza Quadros, depois como Helen Palmer, e também foi a ghost writer da atriz Ilka Soares. Outra atividade que Clarice exerceu foi a produção de livros infantis. O primeiro deles, O Mistério do Coelho Pensante, data de 1968 e foi baseado numa história real da família. Depois vieram A Mulher que Matou os Peixes, A Vida Íntima de Laura, Quase de Verdade e Como Nasceram as Estrelas.
Em março de 2005, o jornal americano New York Times lhe deu consagração internacional ao chamá-la deKafka da América Latina.
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