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Nelson conta Liszt

sexta-feira, 27 de maio de 2011

MÚSICA CLÁSSICA

Nelson conta Liszt

A arte de Nelson Freire em seu novo CD casa à perfeição com a veia lírica do autor das Harmonias noturnas. Por Clóvis Marques

Nelson Freire está comemorando o bicentenário de nascimento de Liszt com um CD (Decca) em que privilegia a veia lírica e suave do compositor. Evoluindo em águas propícias ao seu temperamento, o pianista mostra mais uma vez o que é a grandeza numa arte de intérprete, apreendida com deleite pelo ouvinte sem se sobrepor à essência da música – pelo contrário, deixando-a reluzir renovada.
Liszt, claro, pode às vezes tender para a gesticulação e o espalhafato. Nelson foi na direção da confidência e do sentimento íntimo – onde o bruxo de Weimar mais fascina com uma voz própria. Em vez das Rapsódias húngaras de brio e exibição, pinçou a Nº 3, de proximidade mais humana, quase reservada. Na coleção dos Estudos de execução transcendental, escolheu precisamente aquele que, dando nome ao disco – Harmonies du soir – se recolhe em vibrante comunhão.
Já ao começar a primeira peça, Murmúrios da floresta, afirmam-se o tom fluido e o natural “saber o que está dizendo” do grande pianista brasileiro, além da liquidez do legato e da elasticidade do fraseado. Nelson Freire está mais vaporoso que nunca nessa música quase toda poeira sonora. Mestre inigualado do flou e das precipitações agógicas, ele é o pianista ideal para as modulações e melodias inacabadas, as suspensões harmônicas e as perguntas sem resposta do anseio lisztiano.
Soneto de Petrarca 104 sai, assim, menos interpelador que misterioso e expectante. A Balada nº 2, peça de maior fôlego da coletânea, opõe a atração do abismo e o ideal de sublimação sem quase deixar a meia-voz, num arredondado do som e do enunciado que parecem reinventar a índole da música. O vigor e a eloquência passam mais pelo empuxo que pela força; a dolceza e a ciência da dosagem se afirmam como segunda natureza.
A Balada terá saído, assim, mais conto que poema épico – mais chopiniana, quem sabe. As Consolações, por sinal, que podem ser consideradas os “Noturnos” de Liszt, também falam dessa aproximação com o outro mago novecentista do piano, com a simplicidade dos murmúrios e o passo rápido mas maleável, onde outros frisariam osritardandi.
Conversei com Nelson Freire no lançamento, semana passada, do seu disco na Livraria da Travessa em Ipanema.
Clique aqui e escute uma faixa do álbum.
- Sua seleção obedece a uma preferência pelo Liszt lírico ou elegíaco, longe do Liszt brilhante.
Nelson Freire: O repertório do disco ficou assim, mas quando resolvi fazê-lo – assim como acontece nos meus recitais – o programa foi sendo testado e acabou sofrendo várias metamorfoses. Eu tinha pensado em fazer um programa com a valsa, algumas das rapsódias menos conhecidas e brilhantes. Achei mais interessante montar o disco com o Liszt menos estereotipado, aquele que as pessoas conhecem mais, o Liszt da bravura, pois nele também existe esse lado mais contemplativo.
- Que significado tem Liszt na sua memória e na sua carreira?
N. F.: Desde pequeno eu senti muita atração pela música de Liszt, e muito cedo comecei a tocar a segunda Rapsódia húngara, Além disso, estudei com a Lúcia Branco, que foi aluna de um aluno dele, Arthur De Greef. Então me lembro que Liszt ficou sendo uma figura familiar na minha vida, e cada vez que eu levava uma peça sua para dona Lúcia, ela dizia: “Vamos então estudar seu bisavô.” Tenho a maior admiração por ele, como compositor e como homem.
- O que há de único na música de Liszt – em comparação por exemplo com Chopin?
N. F.: É difícil comparar, embora os dois estejam na mesma época. O que Chopin fez, ninguém chegou perto, foi algo único. Liszt abrangeu várias coisas, inventou o poema sinfônico, seu horizonte foi bem maior que o de Chopin. E incluisive, na obra dele, também tem lugar para o chopiniano. Mas, para citar dois exemplos, temos a Consolação em ré bemol maior e seu relativo parentesco com o Noturno em ré bemol maior de Chopin. Só que Chopin vai muito além. Liszt dá uma aparência chopiniana, mas Chopin vai muito mais fundo nesse aspecto. Também no Concerto nº 1 de Liszt, no segundo movimento, se compararmos com o segundo movimento do Concerto nº 2 de Chopin, tem também um recitativo do piano com trêmolo sobre fundo de cordas no qual Chopin de novo vai muito mais longe.
- Por que a escolha da Rapsódia húngara nº 3?
N. F.: Sempre me interessei muito pela obra de Liszt, e lembro que na adolescência comprei todas as Rapsódias, e me interessavam as que ninguém tocava. Uma delas era a número 3. Essa rapsódia é diferente das outras, não tem a friska habitual, aquele trecho característico rápído, não é virtuosística, e além disso oferece todo um exotismo harmônico.
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